Por que Deu Errado?
Piter PUNK
Vemos em revistas, nos sites da internet, em palestras,
etc... todos estão migrando para o Linux. Porém, ao
lado destas histórias de sucesso, temos vários casos em
que tudo deu errado. A pergunta que fica é "porquê?"
1. Introdução
Acho que todos nós conhecemos histórias de migrações
que deram errado. Infelizmente essas histórias são mais
numerosas do que deveriam ser e, pior, boa parte delas
poderia ser evitada com alguns cuidados. Talvez por
culpa do modo como o Linux começou a ganhar o seu
espaço, se esgueirando e infiltrando nas organizações,
falta um planejamento em boa parte dessas histórias de horror.
O objetivo deste artigo é identificar e descrever
alguns desses problemas, para que aconteçam cada vez
menos. É muito importante lembrar que cada usuário
insatisfeito tem um grande poder de multiplicação e
pode causar grandes estragos ao Linux. Alunos de uma
faculdade hoje, podem ser os gerentes de TI amanhã, e a
opinião de um gerente de TI pode vetar todo um projeto.
Devemos aprender com nossos erros, ou estaremos fadados
a repeti-los à exaustão.
Os tópicos a seguir mostram os principais e mais
repetitivos fatores de desastre, preste bastante
atenção e tome cuidado...
2. Hardware Ineficiente
2.1. O Laboratório Museu...
É o que mais acontece na implantação de Linux em
instituições de ensino, quando os computadores não
conseguem fazer mais nada resolvem colocar Linux, com a
alegação de que o Linux funciona bem em hardware
antigo. Então é instalada a novíssima distribuição "x",
com KDE 3.1 e OpenOffice, em alguns Pentium 100 com
32MB. Resultado: usuários insatisfeitos e fracasso total.
É muito importante dimensionar corretamente o hardware
a ser utilizado. Antes de instalar Linux nesses tais
computadores, faça a instalação em um deles e tente
utilizá-lo. Muitas vezes um pouco de bom senso
resolveria todo o problema, mas alguns "administradores",
instalam o software e depois desaparecem, não o
utilizam e não tem a mínima idéia de que o Mozilla
demora exatos 4 minutos para aparecer na tela.
Isso sem contar com as próprias precariedades e
inconstâncias do hardware antigo. Pentes de memória
defeituosos, mal-contatos, fontes estranhas, coolers
desregulados, HDs com badblocks e outros problemas que,
se não conhecemos, podemos imaginar. Se você for
reaproveitar hardware considerado obsoleto, faça dúzias
de testes. Teste bem a memória, verifique poeira nos
coolers e na fonte, limpe os contatos, enfim, faça um
serviço de manutenção completo. Você pode saber que as
máquinas ficam travando porque a placa de vídeo está
com um mal contato, os seus usuários vão achar que a
culpa é do Linux.
Se a sua organização quer realmente aproveitar esses
computadores antigos, aproveite-os onde podem ser
realmente eficientes. Utilize-os como terminais
remotos, roteadores, servidores de e-mail, servidores
web... coloque-os onde possam fazer diferença. Uma sala
com 20 computadores 486 sendo terminais remotos de um
computador mais potente traz uma imagem muito mais
bonita ao Linux do que esta mesma sala com todos os
computadores rodando localmente o XFree86 4.3.0 e Mozilla.
2.2. Simplesmente não funciona
Tudo está pronto, agora basta instalar a única
impressora do departamento, uma XYZ-Laser1234, que não
funciona!!! Hoje em dia esse problema é menos comum,
quase todos os dispositivos de hardware são suportados
pelo Linux. Porém, ser menos comum não quer dizer que
não ocorra.
Antes de começar toda a migração, antes de solicitar
aquele novíssimo periférico de US$2000, verifique se
ele funciona no Linux. Se não funcionar, apesar da
culpa ser sua por não haver prestado atenção, quem vai
levar a culpa é o Linux em si. Verifique em mecanismos
de busca, fóruns e listas de discussão se o tal
dispositivo é suportado e só depois comece instalar.
Se o dispositivo não for suportado, pode-se pensar em
algumas correções mas é importante já ter essas
possibilidades em vista e deixar os seus usuários
avisados. Manter um computador com "aquele" sistema
proprietário para poder baixar as fotos da câmera
digital e depois colocá-las na rede via samba é uma
solução plausível (enquanto isso você pode correr atrás
do suporte à tal câmera). O importante é não deixar os
seus usuários sem o acesso ao tal dispositivo.
2.3. Olho maior que a barriga
Este é um problema que vem se tornando cada vez mais
comum. O gerente que migrar os servidores da empresa
para Linux e pergunta o que precisa ser alterado, o
administrador olha e pede para trocar os servidores
atuais por alguns QuadriXeon com HDs SCSI U360 e 4GB de
RAM, para poder usar como servidor de web, ftp e
e-mail. Obviamente o gerente prefere continuar com o
sistema antigo, mais um tiro n'água.
Um dos principais fatores para a adoção do Linux nas
empresas tem sido a redução de custos. Depois de
implantado é que se costuma verificar a sua
estabilidade e segurança (e quem sabe ganhar um "parabéns"
do chefe). Pedir um hardware irreal e extravagante no
momento da implantação apenas vai afastar a sua empresa
do Linux. Se o sistema atual funciona no hardware que a
sua empresa já tem, ela dificilmente vai trocar por
outro sistema que precisa de 3 vezes mais hardware.
Garanto que depois de funcionando, será bem mais fácil
pedir um pouco de memória para funcionar melhor ainda.
Em caso da implementação de novos sistemas, use o bom
senso. Escolha peças de qualidade, que possam fazer o
serviço que o cliente pediu, mas não exagere. Você não
precisa de um Pentium IV para ser o gateway da sua
rede. Economize onde puder para poder gastar onde precisar.
3. Software
3.1. Software não existe
Isso acontece. Em uma lista de discussão, alguém postou
uma mensagem dizendo que havia migrado uma agência de
publicidade para Linux e que agora queria saber onde
encontrar um Corel Draw ou equivalente para Linux.
Sejamos sinceros, na área de editoração o Linux deixa
muito a desejar e quem fez esta migração deveria saber
disso. Muito mais útil para a tal agência deveria ser
um servidor de arquivos e impressão, para facilitar a
vida dos usuários e não n computadores sem os softwares
de que eles precisam para trabalhar.
Outra área em que isso acontece com uma certa
freqüência é em laboratórios, onde muitas vezes não
existem drivers para os dispositivos de aquisição de
dados e sequer um programa para conseguir coletar estes
dados. Em alguns casos é vantajoso ao próprio
laboratório desenvolver seu próprio driver e software
de controle e coleta, o que não pode acontecer é
descobrir isso depois de tudo instalado e com várias
medidas esperando para ser feitas.
Imagine que após uma migração, alguém descobre que o
banco de dados que se utilizava antes é totalmente
incompatível com os bancos de dados existentes para
Linux? E aí? Como a empresa trabalha?
3.2. Documentação não existe
O software necessário existe (ou um equivalente), porém
ninguém sabe como usá-lo! O "administrador" instala tudo
e some, qualquer dúvida é respondida com "Dá uma
procurada por aí..." Com certeza essas atitudes não
ajudam nem um pouco na popularização do Linux.
É importante verificar a documentação do software antes
de disponibilizá-lo aos seus usuários. Se não houver
documentação, é necessário criá-la e torná-la
disponível de maneira acessível. Vamos lembrar que nem
todos precisam ser profissionais de informática para
usar o computador, a secretária está querendo apenas
escrever uma carta.
Além da documentação, dependendo da extensão da
migração e do conhecimento dos seus usuários, é
interessante ministrar cursos de treinamento para que
possam exercer corretamente suas funções.
3.3. Software e documentação existem, mas é impossível
de usar
Outras vezes existe tanto o software quanto a
documentação porém, por algum motivo a utilização do
tal software é totalmente improdutiva. Um bom exemplo
disso é o próprio OpenOffice quando o hardware
disponível deixa um pouco a desejar, a lentidão de uso
torna o trabalho impossível.
Ou o software pode ser simplesmente muito mais difícil
do que o anterior. Nem todo mundo acha interessante
utilizar o vi e LaTeX para escrever um documento, e
você pode entregar todos os livros de LaTeX e cartões
de referência do vi, a pessoa não vai gostar e vai
voltar correndo para o processador de textos que
conhece, e espalhando aos quatro ventos que o Linux é
muito difícil.
4. Pessoal Técnico
4.1. O curioso
Muitos dos profissionais do Linux começaram sua
carreira profissional assim, sendo o "curioso" que acaba
se tornando administrador de uma rede e, depois de
muito sofrer, se tornou um profissional de verdade. Uma
história bonita, mas infelizmente na trilha do
sofrimento, haviam muitos usuários que sofreram junto e
atualmente devem odiar o Linux. Afinal, quem agüenta um
sistema estável em que não se pode imprimir, deve ser
reinstalado toda semana, o firewall barra absolutamente
todos os pacotes entre outros terrores que podem haver
acontecido.
Acredite, administrar uma rede é bem diferente de
cuidar do computador da sua casa. O simples fato de
haver instalado o Linux e visto uma página do Apache
com "It Worked!" não o torna um administrador de redes e
muito menos um especialista em webservers.
Instalar o sistema em casa é um bom começo, mas antes
de pegar a responsabilidade de cuidar de uma rede ou
mesmo de alguns servidores é importante saber de
verdade o que estará fazendo. Ler a documentação
disponível e treinar em casa é um ótimo caminho a
seguir, depois que conhecer como funciona é a hora de
dar o passo seguinte e assumir responsabilidades.
4.2. O beta-tester
Normalmente este tipo de administrador conhece o
sistema e sabe como mantê-lo funcionando. Porém, sua
ânsia por novidades e um certo espírito audacioso põem
tudo a perder. Talvez deixando os usuários uma semana
sem poder usar a rede enquanto tenta trocar o NIS por
LDAP, ou quando instala o Apache 2.0 em todos os
servidores e depois descobre que um módulo utilizado
por todas as páginas da empresa não é suportado.
Mais importante que possuir todas as últimas e mais
interessantes tecnologias e todos os softwares em sua
última versão é manter o sistema funcionando! Os
usuários não querem saber se o método "x" é muito mais
seguro que o método "y" o que eles querem é o sistema no
ar e querem agora. Se o método "x" não permite isso,
mantenha o método "y". Trocar de servidor de e-mail e
métodos de autenticação a cada semana não é agradável,
muito menos ficar trocando o gerenciador de janelas
padrão de seus usuários toda vez que você acha algo
interessante (uau! o Afterstep deixa ter barra de
título transparente!)
Se a nova feature é realmente tão interessante,
implemente-a primeiro na sua máquina, ou em casa, ou
talvez em uma ou duas estações selecionadas para
testes. O que interessa é não prejudicar seus usuários.
Nós sabemos que em alguns momentos a interrupção do
serviço é inevitável, mas estas interrupções devem ser
raras e quando ocorrerem durar apenas o tempo necessário.
5. Conclusão
O principal erro, por detrás de todos os outros é a
falta de planejamento. Através de testes controlados e
alguns estudos feitos antes da implantação do Linux em
sua organização, boa parte destes erros pode ser
eliminada, ou pelo menos minimizada.
Muitos dos que atualmente são profissionais Linux
cresceram através destes (e outros) erros e alguns
acertos; está na hora de pensar se vale a pena para
cada bom profissional criarmos vários usuários
anti-Linux. Se você tiver alguma dúvida, crítica ou
opinião a respeito deste artigo, entre em contato pelo
e-mail:
piterpk@terra.com.br
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